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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

CORAGEM, PRAZER, PODER E BRISA: histórias de vidas de jovens alcoolistas.


Revista Aretê Saúde Humana,  Ano 5, Vol.5, Janeiro/Fevereiro/Março,  2017, Série 09/02   p.20

CORAGEM, PRAZER, PODER E BRISA: 
histórias de vidas de jovens alcoolistas.


Tatiana Santos[1]
Arthur Bittes Jr[2]


[1] Enfermeira formada pela Faculdade de Enfermagem Oswaldo Cruz

[2] Doutor em Enfermagem. Diretor da Faculdade de Enfermagem Oswaldo Cruz. Professor titular da disciplina Desenvolvimento do Ser I.


Santos, T.; Bittes Jr, Arthur. . Aretê Saúde Humana [Blog].   Coragem,prazer, poder e brisa: histórias de vida de jovens alcoolistas. 2016. Disponível em:  http://aretesaudehumana.blogspot.com.br/2017/02/coragem-prazer-poder-e-brisa-historias.html


RESUMO

O presente estudo versa sobre consumo de bebida alcoólica na adolescência e teve como objetivos Desvendar causas e condições que levam ao consumo de bebida alcoólica na adolescência por meio da história de vida contada pelo usuário de bebidas alcoólicas. A metodologia adotada foi pesquisa de campo, exploratória, de abordagem qualitativa. O método utilizado foi a História Oral na modalidade História Oral Temática. A população da pesquisa foi composta por 05 Adolescentes, os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, após autorização do comitê de ética em pesquisa Parecer nº 1.759.834. Nos resultados identificou-se que os fatores de risco associados à experimentação de bebidas alcoólicas na adolescência estão relacionados a problemas parentais; influência de amigos; diversão; curiosidade necessidade de pertencer a determinado grupo; obtenção de prazer; criar coragem e para alguns, significa um modo de não pensar nos problemas. Conclui-se que o quanto a influência no âmbito familiar e grupo de amigos repercutem na vida dos adolescentes para o contato precoce de bebidas alcoólicas, entrevistas evidenciam que há a necessidade de um trabalho de intervenção da Enfermagem comunitária em favor dos adolescentes. Os serviços de saúde devem incorporar estratégias preventivas de identificação de riscos para a dependência, controle e acompanhamento específicos ao grupo de adolescentes.

Palavras-chaves: Adolescência. Alcoolismo. Drogas.



1.     INTRODUÇÃO
                                                                                                       
Atualmente é muito comum ver adolescentes consumindo bebidas alcoólicas precocemente de maneira rotineira e em excesso. Dentre tantos assuntos possíveis a serem abordados optou-se pela escolha do tema, devido á exposição dos adolescentes na sociedade, em sua busca pela identidade adulta, passando por um processo turbulento de dúvidas e insegurança muitas das escolhas feitas durante essa fase terão consequências boas ou ruins. O interesse da autora pelo tema surgiu, devido algumas situações vivenciadas enquanto alunas com grupos de adolescentes, entre amigos, nas praças, escolas, e ao observar os comportamentos, conversas do tipo “ontem eu chapei bebi todas gerando o interesse em aprofundar o conhecimento sobre este tema consumo de bebida alcoólica na adolescência.
Devido á vulnerabilidade o uso de drogas lícitas nessa fase esta relacionada com a necessidade de integração social e esse problema já é possível identificar em bares próximos as faculdades, escolas, grupos nas praças, festas conhecidas como open bar onde as bebidas são distribuídas gratuitamente, entre outros ambientes.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 1990, considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2º), e, em casos excepcionais e quando disposto na lei, o estatuto é aplicável até os 21 anos de idade (artigos 121 e 142).O adolescente pode ter o voto opcional subentendido para os menores de 18 anos.(EISENSTEIN,2005).
A adolescência é uma fase da vida do ser humano caracterizada por mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais, constituindo-se em importante momento para a adoção de novas práticas, comportamentos e ganho de autonomia. É um período marcado pela indecisão, sinalizando a passagem da infância protegida para a exposição à vida adulta. (VIEIRA, et al,2008).
Nessa etapa, o individuo deixa de viver apenas com a família e passa a viver em função também de amigos, inserindo-se no grupo social, como forma de identificação pessoal (ROZIN;ZAGONEL,2012). Diante disso, sofrem influências de amigos, pois os adolescentes passam a sair mais de casa e convivem com grupos com os quais se identificam. As transformações dessa fase da vida fazem com que o adolescente viva intensamente sua sexualidade, manifestando-a muitas vezes através de práticas sexuais desprotegidas, podendo se tornar um problema devido à falta de informação, de comunicação entre os familiares, tabus ou mesmo pelo fato de ter medo de assumi-la. A evolução de suas sensações, comportamentos e decisões sexuais será influenciada pelas interações que desenvolve com outros jovens do seu vínculo familiar e social.(CAMARGO;FERRARI, 2009).
São vários os fatores de risco associados ao uso de drogas lícitas entre adolescentes dentre eles estão os fatores sócio demográficos como, gênero, idade e classe social. No que se refere á família são citadas a associação do uso de drogas com envolvimento parental ou familiar e inclusive são muito comuns, não criação por ambos os pais, baixa percepção de apoio paterno e materno, amigos que usam drogas, ausência de prática religiosa, e a menor frequência à prática de esportes, o apelo dos meios de comunicação, igualmente estimulam o consumo de drogas lícitas, como álcool assim, como a aceitação social e condescendência familiar para o consumo destas drogas; estabelecimentos comerciais e a falta de fiscalização adequada para sua venda, sendo comum a compra por menores de 18 anos e as normas sociais, que aprovam o hábito de beber socialmente. (CAVALCANTE; ALVES;BARROSO, 2008).
No Brasil, Em 2006, uma pesquisa realizada pela CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas),revelou que, dos adolescentes entre 12 e 17 anos, 48,3% já beberam alguma vez na vida. Destes, 14,8% bebem regularmente e 6,7% são dependentes de álcool, revelando que o álcool é a droga mais utilizada pelo público adolescente (ROZIN; ZAGONEL, 2012).
“A classificação dos problemas com o álcool pode ser feita segundo padrões de consumo ou segundo critérios diagnósticos (focados em consequências do consumo). Identificam-se quatro padrões de consumo: moderado, arriscado, nocivo e binge. Considerando um sujeito abstrato, o consumo moderado, ou “seguro”, é definido em média como menos de 14 doses por semana e menos de quatro doses por episódio de consumo para homens, sendo respectivamente nove e três doses, para mulheres. O consumo arriscado é aquele que se faz acima desses limites e que tem potencial de produzir danos. Um padrão reiterado de uso já associado a danos físicos, mentais ou sociais define o uso nocivo. Por fim, beber em binge significa uso episódico e em grande quantidade.” (SOUZA, 2012).
“Estudo com a população brasileira já demonstra que o consumo moderado (ingestão de uma dose/dia para as mulheres e duas doses/dia para os homens) de álcool associa-se à melhor situação socioeconômica, nível de escolaridade mais elevado e inserção no mercado de trabalho.” (CARDOSO; MELO; CÉSAR, 2014).
O consumo excessivo do álcool pode acarretar diversos prejuízos no âmbito escolar, biológico, psicológico, social e espiritual de crianças e adolescentes. Além disso, envolvem-se com maior frequência em situações de violência, agressões, acidentes no trânsito, dependência química, entre outros. (WANDERKOKEN; VICENTE; SIQUEIRA, 2011).O uso dessas drogas também podem provocar complicações agudas ( intoxicação ou overdose) e crônicas, com alterações duradouras ou até irreversíveis.( ALMEIDA, FILHO et al, 2007).
Frete ao exposto, citamos (MIRANDA et al, 2007) que destacam que o uso e abuso do álcool pode acarretar no individuo sintomas da síndrome de abstinência do álcool (SAA), marcado pelo quadro de desconforto físico, com tremores, náuseas, vômito, ansiedade e alterações psíquicas.
 “O alcoolismo nas ultimas décadas, vem se transformando em grave problema de saúde pública. Dentre as maiores dificuldades encontradas nos programas de tratamento do alcoolismo, o alto índice de recaída é um dos principais motivos de falta e abandono de tratamento.” (FRANÇA; SIQUEIRA, 2011).
Para cuidar desses usuários nos serviços, e por recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), foram criadas as Estratégias de Diagnóstico e Intervenções Breves (EDIBs), em atenção primária a ser inseridas na Estratégia Saúde da Família (ESF), como forma de prevenir os danos causados a saúde pelo uso do álcool e por ser um dos dez problemas prioritários em saúde no país. (MIRANDA et al, 2007).
Buscando soluções aos problemas referentes à temática apresentada, a educação mostra-se o método mais eficaz para a prevenção do alcoolismo. É importante o trabalho de conscientização, vindo tanto dos familiares quanto das instituições de ensino e profissionais da saúde, pois os adolescentes muitas das vezes necessitam de um diálogo, ter um companheiro para desabafar seus momentos de alegrias e de tristezas.

Sendo assim, no presente estudo será abordada a questão do consumo de álcool na adolescência que é um dos assuntos discutido no mundo e como um problema de saúde publica, com vistas e ampliar o entendimento acerca das condições e causas que levam os adolescentes a iniciar o consumo e uso abusivo de bebida alcoólica.

2.     OBJETIVO

·                     Desvendar causas e condições que levam ao consumo de bebida alcoólica na adolescência por meio da história de vida contada pelo usuário de bebidas alcoólicas.

3.     MÉTODO

        Foi realizada uma pesquisa de campo, exploratória, de abordagem qualitativa. O estudo qualitativo se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada (RIBEIRO,2008). Dentre as metodologias qualitativas, a história oral apresenta adequação para a temática do estudo. O relato oral configura-se como a principal técnica para obtenção de dados qualitativos, e a história oral como um meio para captar as experiências vividas pelos narradores. Meihy (1998) diz que “como método, a história oral se ergue segundo alternativas, que privilegiam como atenção central dos estudos. Como técnica, a história oral é um processo subjacente a outras metodologias, que admitem como um recurso a mais”.
“A história oral pode ser empregada em diversas disciplinas das ciências humanas e tem relação estreita com categorias como biografia, tradição oral, memória, linguagem falada, métodos qualitativos etc. “Dependendo da orientação do trabalho, pode ser definida como método de investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados” (ALBERTI, 2005, p. 17. Grifo do autor).
A história oral apresenta três modalidades: a história oral de vida, a história oral temática e a tradição oral. A história oral temática apresenta-se como aquela que vem ao encontro dos objetivos traçados.
ALBERTI (2005), diz que “as entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido, enquanto as de história de vida têm como centro de interesse o próprio individuo na história, incluindo sua trajetória desde a infância até o momento em que fala, passando pelos diversos acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de que se inteirou.”

3.1 DEFINIÇÃO DA COLÔNIA
Na história oral, a colônia se define pelo tema do trabalho. A colônia desse estudo é definida como sendo uma Comunidade, situada na região oeste do município de Barueri – SP pois, todos os sujeitos que têm relação com o momento histórico pesquisado podem prestar informações.
Esta colônia é frequentada por muitos adolescentes que de acordo com o contexto que foi trabalho deste estudo teve perfil para realizações das entrevistas. Estabelecida esta colônia fez-se a formação da rede.

3.2 O Colaborador
O colaborador deve ser alguém representativo, que tenha vivido experiências, e para a realização desse estudo optou-se por escolher o representante do grupo membro, que com o decorrer da entrevista vai indicar os outros integrantes, o que domina-se rede.
Os colaboradores deverão ser maiores de 18 anos, pois tem autonomia para decidir e conceder a entrevista.
A pergunta norteadora que será utilizadas para realização da entrevista será:
·         Como e porque você começou a beber bebidas alcoólicas e com qual idade?

3.3 Ética em Pesquisa
Seguindo as diretrizes e normas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos (Conselho Nacional de Saúde 466/12). O colaborador foi informado sobre os objetivos da pesquisa, riscos e benefício, a ausência de qualquer remuneração por sua participação, e quanto a preservação de sua identidade se assim desejar.
Foi entregue o Termo de consentimento livre e esclarecido, e a carta de cessão, esta carta reza sobre autorização para a gravação da entrevista, sua transcrição, audição e uso na pesquisa.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa na Plataforma Brasil, conforme definido na resolução CNS 466/12 e autorizado pelo Parecer nº 1.759.834.

3.4 Entrevista em História Oral
O método da história oral é formado por diversos componentes onde a entrevista é uma das fases principais, seguindo algumas etapas: pré-entrevista, entrevista e pós-entrevista.
Na pré-entrevista é o momento que o autor se prepara para entrar em contato com o colaborador, são as primeiras, aproximações, no qual irão manter o diálogo reunindo as principais ideias, realizando anotações e esclarecendo as informações necessárias diante do objetivo proposto.
Na entrevista é o momento em que o colaborador narra a sua história, abordando situações pessoais, sentimentos e sonhos. Bittes Jr (2003), diz que "entrevista em história oral não difere, em estruturas de outras metodologias, assemelhando muito a entrevistas semi estruturadas. A participação do entrevistador é a mínima possível, devendo este apontar o tema e fazer as intervenções para elucidar detalhes, que ampliarão a compreensão do que é narrado". O autor ainda destaca que o colaborador é quem conduz a narrativa não cabendo ao pesquisador desconsiderar nenhum aspecto da narrativa, dado que todas as informações fazem parte do todo da memória e entendimento do narrador a respeito de sua história de vida e como viveu e introjetou essa vivência.
Por fim, tem-se a pós-entrevista mantém- se o contato com o entrevistado.
Após a realização da entrevista, busca-se compreender as etapas: transcrição, textualização e transcriação, que são componentes complementares para a evolução do trabalho proposto.
O Processo de TRANSCRIÇÃO ocorre após a entrevista, o autor tem que descrever no papel tudo o que foi relatado pelo colaborador durante a gravação oral, sem interferências mantendo fala original. (LIMA; GUALDA, 2001).
 Ainda segundo os autores citados acima, na TEXTUALIZAÇÃO o pesquisador irá reorganizar o texto tornando de forma mais clara, porém retira-se as falas do entrevistador e deixa fluir colaborador. Neste momento, uma palavra chave chamada “tom vital” é extraída da entrevista (MEIHY; HOLANDA, 2014).
De acordo com os autores, Tom Vital é:

“Um recurso usado para requalificar a entrevista segundo a sua essência. Porque se parte de um princípio que cada fala tem um sentido geral mais importante, é tarefa de quem estabelece o texto entender o significado dessa mensagem e reordenar a entrevista segundo esse eixo. É o tom vital que diz o que pode e o que não pode ser eliminado do texto.” (MEIHY; HOLANDA, 2014).

A última etapa é a TRANSCRIAÇÃO quando se procura recriar o contexto da entrevista no documento escrito fazendo todos os ajustes necessários, momento que o autor produz um texto de forma coerente, para que o leitor possa fazer leitura satisfatória. (LIMA; GUALDA, 2001).
NA CONFERÊNCIA os processos já foram finalizados e o colaborador recebe texto final para uma realização da leitura validando as informações da narrativa. Somente depois poderão ser divulgadas.

3.5 REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS

A identidade verdadeira dos colaboradores não foi revelada, com isso, utilizei nomes de marcas de bebidas alcoólicas e personagem de desenho. De início, entrei em contato com o colaborador Whisky, contato esse pessoal. Expus todo o trabalho, falei dos objetivos e ele demonstrou interesse em participar. Nesse mesmo dia marcamos um local para a realização da entrevista. A entrevista foi realizada na própria residência do colaborador durou aproximadamente uma hora.
Posteriormente, entrei em contato com os outros colaboradores e expus brevemente o objetivo do trabalho, no qual marcamos as entrevistas em suas residências, sendo que cada uma teve duração de aproximadamente uma hora e meia.
O estudo atendeu todos os fundamentos éticos e científicos pertinentes, conforme diz na resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, que considera o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos (CNS, 2012).
As entrevistas aconteceram somente após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com parecer consubstanciado nº 1.759.834, bem como após as colaboradoras assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice I). A Carta de Cessão (Apêndice II) foi apresentada para os colaboradores após terem autorizado para o uso no estudo.
Os locais para as gravações foram adequados e as entrevistas foram individuais e sem nenhum fator que pudesse comprometer a qualidade das mesmas.
Alberti (2005) diz que o local da realização da entrevista tem que contribuir para que o objetivo seja alcançado, e que de forma alguma venha a comprometer a qualidade das relações estabelecidas.
Houve a necessidade de realizar algumas questões aleatórias durante as entrevistas para esclarecer alguns termos com clareza.

4.     ENTREVISTAS TRANSCRIADAS

ENTREVISTA 1
TOM VITAL : “Comecei a beber nem sei por que..., tem essa onda da ostentação e nós bebemos Whisky!”

Eu me chamo Whisyk, tenho 21 anos, não terminei os estudos e estou desempregado. Moro com minha tia (risos), porque prefiro. É melhor que morar com meu pai, ele é evangélico e tem outra família. Minha mãe mora com meu padrasto, eu não concordo com o acontece pois, tem muita briga, ele bebe, então prefiro ficar “suave” [1]com minha tia, pelo menos aqui ela me dá uma atenção e as vezes vou a igreja com ela.
Comecei a beber nem sei por que (risos). Eu ia para as festas e ficava olhando os “parças”[2] bebendo, e nessa questão eu tive a curiosidade de experimentar e só gostava de beber bebida boa. Comecei a beber com uns 14 anos, e também além de beber bebidas boas, tem essa onda da ostentação e nós bebemos whisky. Eu saio com meus amigos, e tem várias “minas. A gente se diverte”.
Sabemos que aqui na comunidade tem bastante droga, o pessoal usa, só que eu mesmo só uso o “narguile”, maconha de vez quando eu uso, porque dá uma sensação de paz, aquela tontura, mas o complicado é quando vem a fome a barriga fica um pouco dura e doendo. Nós vamos pra casa de um amigo e fazemos o consumo do fumo, porque na vizinhança é um pouco complicado (risos), e a bebida a gente bebe na rua mesmo durante as madrugadas, porque é nesse horário que a “brisa”[3] é da hora, não tem ninguém na rua e os “zé porvinho[4]” estão dormindo. A mente fica a milhão vem várias ideias de alucinações, mas é legal, eu gosto me sinto bem, principalmente se tiver com  problemas e sem dinheiro. Ajuda a tranqüilizar (risos).
Gosto de ir aos bailes principalmente aos finais de semana, andar de moto, carro, tudo novo é da hora, parece que estamos no poder. Aqui na “quebrada[5]” é sempre bom, tem uns bailes na comunidade, mas prefiro curtir fora porque pelo menos eu bebo,fumo,faço minhas aventuras longe da quebrada, os “vermes[6]” as vezes aparecem mas, a gente se aventura fazendo a fuga, ou damos algo em troca pra eles.
Além dessas situações a gente acaba se envolvendo com outras coisas erradas, em decorrência das amizades e com isso surgem algumas prioridades para nós e nesse mundo nada é fácil né? Nós vamos aderindo ao sistema , adquirindo algumas experiências mas, não coisas muito longas, porque começamos a nos envolver com coisas pequenas e quando percebemos já estamos lá dentro do presídio, ai você vê sua mãe e seu pai ali te apoiando, você não tem como ter uma mentalidade de tentar continuar, mas têm alguns que continuam e ai o caminho é trágico acabam morrendo .
Eu, vivi essa situação, teve uma época que eu só traficava, era uma forma fácil e rápida de ganhar dinheiro (risos), só andava “chavoso[7]”, cheguei até tentar assaltar uma loja, mas levei um tiro no pé de raspão; foi muita correria, ai percebi que pra essa vida de assalto não sirvo. Eram altas madrugadas bebendo e fumando pra ficar acordado, e tirar a grana. Tinha que vender os baseados, até que virei gerente de uma “biqueira”, eu só recebia o dinheiro. Mano (risos) eu era terrível, desafiava mesmo não estava nem ai. Os “vermes” ficavam doidos, e minha família em casa preocupada comigo, até que um dia fui pego em flagrante. Os policiais me pediram dinheiro para me liberar eu não tinha, ainda era menor de idade então eles me levaram para Febem onde fiquei uns meses, no início foi um sofrimento mas depois fui me recuperando, também sai logo graças a Deus.
Também nessa questão a experiência é boa porque levamos como aprendizado para o resto da vida, mas hoje em dia eu vejo que tudo isso é ilusão, hoje estou tranquilo, as vezes quando vou à igreja dá uma paz, curto com minha família, independente da religião porque cada um tem sua fé.
Temos que aproveitar cada momento da nossa vida, mais tudo com consciência para não fazer mal a ninguém. Quem bem tiver consciência não acaba com sua vida nesse mundo, onde as drogas e bebidas estão prontas pra te derrubar porque no inicio é gostoso e prazeroso, mais depois só vem a ressaca e mal estar.(silêncio)

ENTREVISTA 2
TOM VITAL “Eu bebo porque eu gosto de curtir, me divertir, sair com os amigos, “pegar as meninas”
Eu me chamo Vodka, tenho 19 anos, moro com minha mãe e meu padrasto. Na verdade, moro sozinho porque minha mãe construiu um cômodo pra mim atrás de sua casa. Isso porque ela não me quer em sua casa devido a alguns acontecimentos... Por isso, só vou a casa dela pra buscar comida e tomar banho,“de boas”. É até melhor, porque tenho minha liberdade e levo quem eu quiser em minha casa. Eu parei os estudos na 8ª serie do ensino médio, não trabalho, sou solteiro e tenho umas “novinhas.”
Você sabe eu sou MC, então não paro em casa, fico o tempo todo na rua, principalmente nas madrugadas dos finais de semana. Ai, recebo convites pra cantar. Durante semana durmo o dia inteiro ou fico na rua com os moleques fazendo algum “corre[8]”. Na verdade, as vezes, sem querer, eu pegava algum dinheiro da minha mãe que vende geladinho, pra eu comprar alguma coisa tipo bebida ou maconha (risos).
Eu comecei a consumir bebida alcoólica aos 13 anos e como não sei. Eu bebo porque eu gosto de curtir, me divertir, sair com os amigos, “pegar as meninas”... Bebo porque eu gosto, e para cantar, sou MC canto umas musicas, então quando eu bebo dá uma alegria fico na “nave[9]”, suave”, dá tranquilidade, felicidade, ainda me ajuda a esquecer de alguns problemas. Eu também consigo fazer umas letras novas é “da hora”, começo pensar melhor, tanto que na maioria das vezes que eu vou compor as musicas, eu sempre estou bebendo e claro uso uma maconha pra ajudar a “brisa”,(risos).
É difícil falar, só quem bebe sente essa sensação. Só quem passa pelos problemas que entende o que eu estou falando. Como eu sou MC também preciso mostrar para meus fãs que eu tenho disposição, que estamos sempre juntos independente de qualquer “fita[10]” e sempre andar no “estilo” com as bebidas “monstra”[11]; um saquinho de “back[12]” pra mostrar que nós somos patrão e onde nós chegamos roubamos a cena das meninas e dos amigos, tem pra todo mundo!
Quando tem baile aqui, nossa a rua fecha os moradores mesmo nem entram (risos), só se vê a fumaça subindo o funk “estralando”, as meninas rebolando, as bebidas caindo de graça parecendo que vêm do céu, dá até pra tomar banho! Vou chamar você pra qualquer dia cola aqui e “pegar a visão” (risos).
Independente de qualquer situação, a gente infelizmente tem que acompanhar esse mundão que vivemos, cada um tem sua realidade, cada um sabe o que vive, está entendendo? Eu por exemplo, não fui criado pelo meu pai, ele abandonou minha mãe quando descobriu que ela estava grávida. Meu pai é o pior exemplo que tenho. Hoje ele está na cadeira de rodas porque levou um tiro, ele nem morava aqui, era da Bahia, e agora veio pra cá para fazer os “corre” dele, cobrar quem estava devendo para ele, porque ele é agiota. Isso dá dinheiro, mas são vários que morrem, é estranho ele aqui comanda lá na Bahia e eu não quero isso pra mim. Não quero ficar fazendo maldade para os outros, igual a ele que manda matar vários. O “negocio é estreito”, ele bebe também, mas tudo que ele faz ou manda fazer é consciente, ele anda com uma arma debaixo das pernas, fora que eu sei que quando minha mãe morava com ele, ele batia nela (silêncio). Então é complicado, às vezes minha mãe me manda para casa dele em São Paulo só porque não quero trabalhar ou quando têm os bailes aqui, e ai os invejosos vêm me ameaçar. Mas, eu não apoio o que ele faz, porém todo mundo sabe que se mexer comigo o negócio vai “pegar fogo”, “vai ficar sinistro.”
Eu acho que cada um tem que fazer seu “corre”, e ficar de boa, eu bebo, uso minha maconha e fico “suave” só criando as musicas na minha mente, e olha que eu nem escrevo as letras, para você vê como a “brisa”, a sensação de leveza, é boa. Os vizinhos ficam conspirando, mas eu não estou nem ai, vivo falando pra minha mãe que cada um tem que cuidar da sua vida, e ela tem que parar de ouvir os outros da rua.

ENTREVISTA 3
TOM VITAL 3“Eu tinha muitos problemas desde novo, meus pais se separam, nunca tive uma infância fácil, tenho 7 irmãos e em casa sempre faltava comida.”
Eu me chamo, Corote, tenho 25 anos, moro com meu pai em um galpão, tenho uma filha de 06 anos e ela mora com a mãe no Rio de Janeiro, estou desempregado e não terminei os estudos porque preferi a malandragem.
Comecei a beber aos 12 anos de idade, gosto de todos os tipos de bebidas alcoólicas. Eu tinha muitos problemas desde novo, meus pais se separaram, nunca tive uma infância fácil, tenho 7 irmãos e em casa sempre faltava comida, meu pai sempre bebendo e discutindo com minha mãe. Eu também fui pai cedo e a mulher ficava falando muito no meu ouvido porque não tinha como sustentar a criança só eu que trabalhava em casa. Quando eu tinha 14 anos comecei a experimentar outras drogas como maconha e cheirar pó de cocaína, no inicio foi só uma forma pra eu fugir dos problemas, mas depois virou rotina e curtição eu e meus amigos saiamos direto, nós pinchávamos as ruas e prédios era a nossa diversão da madrugada, as vezes na “brisa fazíamos alguns assaltos para levantar um dinheiro”, trabalhava traficando nessa vida louca. Gosto muito mesmo de fumar minha maconha, todos os dias eu uso e não nego pra ninguém porque “meu o bagulho é da hora demais” (risos).
Hoje eu estou acabado, nem sei explicar minha situação, a idade está passando “ta ligada?”, e o que me deixa mais frustrado é que minha filha está longe e eu nem posso dar um abraço nela. Eu não tenha nada, minha mãe morava aqui perto de casa mas já faz  6 meses que ela viajou para Minas Gerais e vai morar lá com minha avó porque recentemente ela perdeu o marido, estava doente com câncer na garganta. Por um lado dei graças a Deus (risos), ele dava muito trabalho ficava na cama e minha mãe presa em casa, se é louco?.
Continuo fazendo meus consumos, o álcool e as drogas é a única forma de me distrair entendeu? Aqui não tem lazer nenhum, vou nos baile quando tem ou a gente bebe aqui no galpão, é gostoso. Meu “pai também está na sofrência não arruma ninguém e nem trabalho”, a gente sobrevivi porque do meu tio que é vereador e arrumou esse galpão para gente morar.
Mano, minha filha está longe, a mãe dela casou com outro, mas essa situação vai ser cobrada estou só aguardando a hora certa, eu vou lá de vez quando no RJ, falei pra aquela vagabunda não tirar minha filha de mim, mas ela não me ouviu (silêncio).
Essa vida eu não desejo pra ninguém, não é fácil mano, eu só durmo o dia inteiro, não tenho como arrumar emprego, no momento estou me relacionando com outra menina, porque nessa vida a gente não veio ao mundo pra sofrer, fico muito triste é revoltante, perdi minha casa porque minha mãe vendeu, está tudo atrasando meu lado, tenho vários parcas mas não adianta ter tanta amizade na hora de curtir e depois ficar sozinho ( silêncio).
Foi bom até você vir aqui porque pelo menos me distrai conversar com alguém estudada ta ligado? Você nem tirou minha brisa, foi um papo da hora, refleti meu passado e vê minha situação hoje.

ENTREVISTA 4
TOM VITAL 4 “Resolvi começar a beber para aliviar o cansaço, quando eu bebia me sentia muito bem, durante a noite dormia bastante.”
Me chamo, Velho Barreiro tenho 26 anos, moro com minha mãe, meu pai abandonou a mim e aos meus irmãos desde da infância, trabalho as vezes quando aparece serviços pra fazer, não terminei os estudos porque tive que seguir o exercito e infelizmente não dava tempo eu ir para as aulas, tenho uma filha linda que mora com a mãe.
Comecei a beber aos 16 anos de idade, o motivo é porque na época eu trabalhava e estudava e não dava conta de assumir as responsabilidades, me sentia muito cansado, exausto não tinha força para fazer nada, a escola era longe eu andava 30 minutos, todos os dias e quando eu ia trabalhar o tempo de percurso era o mesmo porque eu ia para estação de trem a pé. Foi quando eu resolvi começar a beber para aliviar o cansaço, eu bebia e me sentia muito bem, durante a noite dormia bastante, era um sono tão gostoso, meu corpo relaxava e aliviava o estresse, era a solução que eu precisava.
Nessa fase foi a pior de todas, eu tive que assumir a responsabilidade de pai, separei da mulher e cada vez mais se tornava complicado porque ela começou a exigir pensão, eu não estava preparado para tantas cobranças. Minha vida sempre foi fácil, sempre tive tudo que queria, porém o pior estava por vir, foi quando eu infelizmente fiquei desempregado e ela por não entender a situação, procurou a justiça para recorrer aos direitos dela e da filha, conforme a decisão judicial eu fui preso por não pagar a pensão, fiquei 1 mês e 12 dias preso, tirei dinheiro de onde não tinha para pagar a minha liberação e advogado, graças a Deus minha família sempre foi unida e me ajudou.
Hoje em dia minha rotina não mudou muito, continuo bebendo, todos os finais de semana parece que já virou lei (risos). Minha mãe não gosta e com razão eu bebo até passar mal, no outro dia tenho muita ressaca e vômito. Tentei parar, mas está difícil. Os amigos direto me chamam e olha que eu nem pago as bebidas no bar, sempre tem alguém que paga pra mim, aí eu não agüento e não tem como resistir (risos).
Eu ainda brinco com minha tia, ela é técnica de Enfermagem, eu sempre falo pra ela quando chegar algum bêbado no hospital pra ela dar bastante atenção e cuidar direitinho porque os coitados não tem culpa, a bebida pega a gente de uma forma que quando percebemos já estamos caindo (risos), mas tranquilo.
ENTREVISTA 5
TOM VITAL 5“Lembro que quando eu bebia, chegava nele e trocava várias ideias, já roubei beijo dele, fomos até o ponto finalmente, mas isso só acontecia quando eu estava chapada.”
Oi Boa Noite! Meu nome é Florzinha, eu tenho 20 anos, solteira e tenho 1 filha de 2 anos. Atualmente moro com meus pais.
Gosto muito de aproveitar cada momento da minha vida, sou nova e tenho que aprender com a lei da vida, já curti muitas festas, baladas, tive bastante namorados, mas enfim hoje eu só trabalho, preciso sustentar minha filha e oferecer para ela as oportunidades que eu não tive. O pai da criança é um pouco ausente, já se casou novamente e não temos muito contato. Às vezes dá uma vontade de voltar no tempo, mudar algumas coisas, fazer diferente...Mas, está tranquilo, tudo é aprendizado e experiência.
Comecei a consumir bebidas alcoólicas aos 15 anos, eu amava um garoto na adolescência e não era correspondida da mesma forma, então eu bebia para me conformar ou me aproximar dele, por que ele também gosta muito de beber, ir para as festas então era uma forma de ter contato com ele, tendo as mesmas atitudes. Lembro que quando eu bebia, chegava nele e trocava varias ideias, já roubei beijo dele, fomos até o ponto finalmente, mas isso só acontecia quando eu estava “chapada[13]”  era uma forma de desabafar o meu amor por ele. Infelizmente não deu certo, ele só queria me usar, pegava várias novinhas no baile, quando eu percebi já era tarde. Afastei-me dele, mais continuei bebendo cada vez mais. Era para sofrer e ao mesmo tempo relembrar os bons momentos, até brinco dizendo: Foi nessa de copo sempre cheio e coração vazio que eu virei alcoólatra (risos).
Hoje em dia vou levando a vida, sempre digo que bebi por influência de um amor, gosto e não devo parar de beber nem tão cedo, ainda tem a parte do cigarro que quando estou loucona também fumo, mas só para relaxar e flutuar na brisa.
Finais de semana eu saio, deixo minha filha com minha mãe quando ela pode, ou pago pra alguém cuidar enquanto fico fora. Já virou rotina, e o mais engraçado é que até hoje eu vejo esse garoto da adolescência e sinto algo por ele, isso que é “foda”. O cara me fez sofrer, me iludiu e eu como trouxa. Conheci outros jovens, mas não é a mesma pegada, brisa, aquele jeito de falar na gíria que só ele sabe. Como faz falta!
Sou feliz na medida do possível, tenho saúde, disposição, família, minha filha, então não posso só reclamar (risos). Só que no passado fui idiota, minha mãe aconselhava, mas eu achava que era papo de coroa e nem dava atenção, às vezes discutia com ela, uma vez até saímos na “porrada” por causa dele e do uso da bebida. Melhorei bastante meu comportamento, agora só preciso controlar as bebidas.

5.     RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram realizadas 5 entrevistas de história oral, sendo 4 colaboradores do gênero masculino e 1 gênero feminino, todos possuem ensino médio incompleto.
Diante das entrevistas coletadas, foi possível perceber que os colaboradores começaram o consumo de bebidas alcoólicas antes dos 18 anos de idade.  O que mais chama atenção é que na maioria dos relatos os fatores de risco associados à experimentação de bebidas alcoólicas na adolescência estão relacionados a problemas parentais; influência de amigos; diversão; curiosidade necessidade de pertencer a determinado grupo; obtenção de prazer; criar coragem e para alguns, significa um modo de não pensar nos problemas.
Outros os motivos também considerados para o uso continuo do álcool e drogas foram encontrados:
Fuga nas situações de conflito: O uso continuo do álcool foi utilizada como estratégia, conforme os relatos a seguir:
"Moro com minha tia (risos), porque prefiro. É melhor que morar com meu pai, ele é evangélico e tem outra família. Minha mãe mora com meu padrasto,eu não concordo com o acontece pois, tem muita briga, ele bebe, então prefiro ficar “suave” com minha tia." (Whisky)
 "Eu por exemplo, não fui criado pelo meu pai, ele abandonou minha mãe quando descobriu que ela estava grávida. Meu pai é o pior exemplo que tenho." (Vodka)
"Eu tinha muitos problemas desde novo, meus pais se separaram, nunca tive uma infância fácil, tenho 7 irmãos e em casa sempre faltava comida, meu pai sempre bebendo e discutindo com minha mãe." (Corote)
"Meu pai abandonou a mim e aos meus irmãos desde a infância, trabalho às vezes quando aparecem serviços pra fazer." (Velho Barreiro)
Atos infracionais: Para os sujeitos a relação estabelecida com o álcool, favoreceu a situações de atos infracionais como: tráfico de drogas e roubo.
" teve uma época que eu só traficava, era uma forma fácil e rápida de ganhar dinheiro (risos), só andava “chavoso”, cheguei até tentar assaltar uma loja, mas levei um tiro no pé de raspão". (Whisk)
"as vezes na “brisa fazíamos alguns assaltos para levantar um dinheiro”, trabalhava traficando nessa vida louca" (Corote)
Dentre os lugares onde os adolescentes consumiram bebidas alcoólicas pela primeira vez, houve predominância do consumo na própria residência; em festas de rua como bailes e na casa de amigos.
Nessa fase, o adolescente busca novas identidades o conceito de interação grupal é perceptível, e o adolescente busca pertencer a um grupo com o qual se identifica. Este terá a capacidade de influenciar suas ações e fará com que adote atitudes as quais serão a prova de sua aceitação na “tribo”. (CAVALCANTE; ALVES;BARROSO, 2008)
A preferência pelo consumo de álcool por adolescentes ocorre pelos efeitos da substância, e a curiosidade natural do adolescente influencia na experimentação dessas substâncias psicoativas, que no início proporciona sensação de bem-estar, satisfação, estimulante de desafios; busca de novas emoções; fácil inserção no grupo com os amigos, serve como fonte de alívio de estresse em relação aos fatores familiares, escolares, e confirmar sua personalidade e seu espaço no mundo (ROZIN;ZAGONEL,2012)

“Nesta perspectiva, a família tem uma grande importância para a formação de um código de valores próprios do adolescente, pois no seu núcleo são transmitidas as primeiras regras de valores que vão guiá-los no seu convívio social, formando a base emocional para o desenvolvimento deste. Assim, famílias que fazem uso de drogas como o álcool e o cigarro colocam em risco o sentimento de segurança e proteção da criança e comprometem seus códigos de moral, pois os membros adultos constituem modelos para os adolescentes.” (ZEITOUNE, et al,2012).
A família e a escola são fundamentais para o desenvolvimento na trajetória de vida do adolescente, sendo importante na determinação e na organização da personalidade, por meio do padrão cultural de crenças e valores, são os principais atores que devem ser privilegiados em uma proposta de prevenção contra o consumo de drogas. Ações e atitudes tomadas nessa fase são importantes para a formação de um adulto consciente, responsável e bem informado a respeito das drogas e suas consequências, para evitar o envolvimento com o mundo das drogas.(BRUSAMARELLO, et al,2008)
O álcool, por ser considerado uma das drogas lícitas e de fácil acesso, é normalmente o mais usado pelos adolescentes, porém é uma porta aberta para outros tipos de consumos, no qual, três dos entrevistados fazem uso de drogas como maconha e pó de cocaína. A maconha foi a droga ilícita prevalente na primeira experimentação entre os adolescentes entrevistados, podendo ser confirmados nos relatos a seguir:
"Sabemos que aqui na comunidade tem bastante droga, o pessoal usa, só que eu mesmo só uso o “narguile”, maconha de vez quando eu uso, porque dá uma sensação de paz, aquela tontura...."(Whisky)
"Como eu sou MC também preciso mostrar para meus fãs que eu tenho disposição, que estamos sempre juntos independente de qualquer “fita” e sempre andar no “estilo” com as bebidas “monstra”; um saquinho de “back” pra mostrar que nós somos patrão e aonde nós chegamos roubamos a cena."(Vodka)
"Quando eu tinha 14 anos comecei a experimentar outras drogas como maconha e a cheirar pó, no inicio foi só uma forma pra eu fugir dos problemas, mas depois virou rotina e curtição... (Corote)..."
O uso de maconha entre adolescentes vem aumentando significativamente nos últimos anos. Hoje a cannabis pode ser considerada uma droga leve perante a sociedade, em relação a outras drogas, inclusive está presente na rotina de muitos adolescentes.
Como consequência o uso continuo da droga produz diversos efeitos no organismo e pode variar de acordo com as características do usuário causando:euforia, disforia, sedação, alteração da percepção do tempo, aumento da interferência na atenção seletiva e no tempo de reação, alteração nas funções sensoriais, prejuízo do controle motor, do aprendizado e prejuízo transitório na memória de curto prazo. Efeitos físicos como boca seca, taquicardia e hipotensão postural.Efeitos psicológicos incluem crises de ansiedade e ataques de pânico (CRIPPA et al,2004).
A gestação na adolescência também tem se tornado importante problema de saúde pública (COSTA et al,2010). Em decorrência do consumo de bebidas alcoólicas faz com que o adolescente seja exposto a diversas situações de risco, manifestando-a muitas vezes através de práticas sexuais desprotegidas, podendo se tornar um problema devido à falta de informação, de comunicação entre os familiares, tabus ou mesmo pelo fato de ter medo de assumi-la.(CAMARGO;FERRARI, 2009).
A vida sexual ativa dos adolescentes é uma realidade notória, que exige sensibilização e orientação dos jovens para a prática do sexo seguro, objetivando a prevenção de diversos tipos de patologias de transmissão sexual e da gravidez não planejada. Nas últimas décadas, observa-se que no Brasil, o fenômeno da gravidez na adolescência tem sido abordado por diferentes segmentos da sociedade, de forma mais intensa e abrangente. (SILVA, 2013)
Em decorrência da gravidez não planejada muita das vezes o pai adolescente ausenta-se do processo de gestação e paternidade por medo, pressão ou exclusão. O fato de não estar preparado e a não maturidade, faz com que o adolescente fuja das responsabilidades, e quem assume os cuidados junto com a gestante é a própria família. (GOMES, 2006).
A figura a seguir representa a estrutura esquematicamente a história oral de vida de adolescente que evidencia as causas e condições que levaram os adolescentes ao consumo de bebidas alcoólicas.

FIGURA 1: Esquema representativo da história oral de vida de adolescente que evidencia as causas e condições que levaram os adolescentes ao consumo de bebidas alcoólicas.

DESCRIÇÃO DO MAPA CONCEITUAL

A figura foi concebida levando-se em conta simbolos significativos para os jovens, e especificamente para os jovens da colônia onde deu-se a pesquisa. Buscou-se traduzir os simbolos em relação ao movimento desvendado sobre o inicio do consumo de bebida alcóolica descrito pelos colaboradores.
Diamante: tem relação com problemas parentais, porque é a base do cordão, tem peso maior, envolve a questão de valores, símbolo do coração, sentimento. E no estudo são visíveis os problemas parentais, desestrutura familiar, equívocos no sistema de valores e crenças.
Corrente: é a sustentação dessa base, então o adolescente carrega no pescoço, devido a influência de amigos para consumir a bebida alcoólica, e a coragem significa carregar consigo os enfrentamentos da vida que ele vive, uma forma dele ter força para seguir em frente.
Boné: tem a necessidade de pertencer a um grupo, por isso ele utiliza o boné, envolve também a questão da consciência, a marca do grupo (representação), e dentro do boné foram apontados outros itens como:
Folha da maconha: nessa fase o adolescente tem a curiosidade em experimentar as drogas, então ele se envolve junto com o grupo.
A palavra Ostentação: significa prazer, que para os adolescentes é uma forma de mostrar que eles tem poder, eu mando, eu posso, eu tenho, eu sou patrão!.
E a cerveja: foi relacionado como fuga dos problemas, porque eles consomem o álcool para fugir das suas responsabilidades, dos conflitos da vida cotidiana e para reafirmar suas posições e entendimentos de mundo.

6.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desse estudo foi possível constatar o quanto a influência no âmbito familiar e grupo de amigos repercute na vida dos adolescentes para o contato precoce de bebidas alcoólicas, mediante as entrevistas evidencia-se que há a necessidade de um trabalho de intervenção da Enfermagem comunitária em favor dos adolescentes.
Os colaboradores desse estudo se encontram em situação de vulnerabilidade social decorrente de conflitos conjugais, desestrutura familiar, carência dos pais, separação, falta de acesso a educação, devido à ausência de escolas próximas a comunidade, falta de lazer, cultura. O fator sócio econômico que leva em conta, também a questão de sobrevivência, desemprego, pobreza e fome que se apresentam como justificativas de atos infracionais cometidos com vistas à suprir desejos e necessidades.
A adolescência é uma fase na vida marcada por conflitos e questionamentos, que faz com que os adolescentes busquem soluções momentâneas para seus problemas por meio do consumo de bebidas alcoólicas e drogas.
Hoje em dia a família não exerce o papel de educar como antigamente, transmitir experiências e valores para seus filhos de modo a construir uma ética de comportamento virtuoso. O trabalho consome todo o tempo dos pais, e assim eles perdem a autoridade com os adolescentes, jogando a responsabilidade da educação para a escola, que muitas vezes além do papel de ensinar, necessita empenhar o papel de educar, todavia, viu-se neste estudo que os jovens não permanecem na escola, interrompendo os estudos antes de concluir o ensino médio, logo, se a escola poderia significar um meio para o aprimoramento pessoal e cidadania e fonte de conhecimentos contributivos para uma melhor formação da pessoa humana, o abandono dos estudos aborta mais essa possibilidade de transformação social e humana,
É importante que o enfermeiro tenha conhecimento sobre o território que ele vai atuar, pois o mesmo tem um papel fundamental frente às ações preventivas para este público, por meio de educação em saúde reforçando sobre os riscos do uso/abuso de bebidas alcoólicas. O profissional junto com a equipe tem que ter um preparo, para atuarem juntos com a clientela e as ações de promoção da saúde devem ser direcionadas à família, já que esta exerce importante influência no comportamento do indivíduo nessa fase da adolescência, servindo como modelo.
O principal desafio na implementação das políticas públicas é trazer os adolescentes para as unidades de saúde, fazer com que eles tenham o contato com a equipe, e assim disponibilizar os serviços de apoio, e acesso a informação. Sendo assim será que o enfermeiro não pode ir em busca desses adolescentes que estão nas comunidades?
Para que seja eficaz o acolhimento desse público alvo na unidade, o enfermeiro pode criar um espaço, com reuniões periódicas, exibição de filmes educativos, exposição de teatros, oficinas, músicas e abordar temas relativos para a faixa etária. Além de ressaltar sobre os riscos do consumo de álcool é importante a orientação sexual, sobre as medidas preventivas de DST (Doenças Sexualmente Transmissível) e uso de contraceptivos para evitar gravidez não planejada.
Como forma de prevenção primária é necessária a participação da escola, da família, e da comunidade na vida desses adolescentes. Na secundária os profissionais de saúde, vinculada a Estratégia Saúde da Família, devem ser capacitados para realizar intervenções breves no atendimento aos adolescentes de risco, e se necessário aplicar o instrumento de triagem para uso abusivo de álcool AUDIT.
Na prevenção terciária, o gestor de saúde deve fazer encaminhamentos para Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), para o atendimento aos dependentes, e referenciar a um Hospital Psiquiátrico para internações de casos graves e na fase de reabilitação, encaminhar os pacientes tratados para Alcoólicos Anônimos (AA), como forma de ajuda-los a se reinserir no mercado de trabalho.
No entanto, finalizo esse estudo adquirindo experiências, levando como aprendizado saber ouvir o próximo, pois a comunicação é fundamental para compreender o que acontece na vida desses jovens. Cada um faz sua trajetória de acordo com os valores que a família lhe oferece, e, no entanto a estrutura familiar é a base de tudo e com os ensinamentos, cultura, é possível alcançar os objetivos, podendo ter uma melhoria na qualidade de vida.

7- REFERÊNCIAS

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2.            ALMEIDA, FILHO et al. O ADOLESCENTE E AS DROGAS: CONSEQÜÊNCIAS PARA A SAÚDE. Esc Anna Nery RevEnferm 2007 dez; 11 (4): 605 - 10. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n4/v11n4a08.
3.            BITTES, Junior A.O cuidar sob a perspectiva do budismo de NitirenDaishonin e da Ciência do Ser Humano unitário: uma história de revolução humana. 2003.Tese ( Doutorado em Enfermagem) – Universidade de São Paulo Escola de Enfermagem.
4.             BRUSAMARELLO, T, et al. Consumo de drogas: concepções de familiares de estudantes em idade escolar. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.4 n.1 Ribeirão Preto fev. 2008. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762008000100004
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6.            CARDOSO,LGV; MELO,APS; CESAR,CC. Prevalência do consumo moderado e excessivo de álcool e fatores associados entre residentes de Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 20(3):809-820, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n3/1413-8123-csc-20-03-00809.pdf. Acessado em 20/07/2016.
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8.             COSTA, TS, et al. Percepções de adolescentes grávidas acerca do consumo de álcool durante o período gestacional. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.6 n.1 Ribeirão Preto  2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762010000100003
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10.          EISENSTEIN,EVELYN. Adolescência: definições, conceitos e critérios.Adolescência&Sáude, Rio de Janeiro. v.2, nº2, jun, 2005. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=167. Acesso em: 10 set 2015.
11.          FRANÇA MG; SIQUEIRA MM. O papel da enfermagem e a formação de multiplicadores ante o processo de prevenção à recaída.  SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) maio-ago. 2011;7(2):78-84. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/smad/article/viewFile/49576/53652. 
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17.          ROZIN,L;ZAGONEL,IPS. Fatores de risco para dependência de álcool em adolescentes. Acta Paul Enferm. 2012;25(2):314-8. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n2/a25v25n2
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19.          SOUZA,LUIZ. Profissionais de saúde da família e representações sociais do alcoolismo,2012. Tese ( Doutorado em Psicologia). Universidade Federal do Espirito Santo Centro de Ciências Humanas e Naturais Programa de Pós Graduação em Psicologia.
20.          VIEIRA, PC et al.,2008. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(11):2487-2498, nov, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v24n11/04.pdf
21.          WANDERKOKEN,KD;VICENTE,CR;SIQUEIRA,MM. Alcoolismo parental e fatores de risco associados.  SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) set.-dez. 2011;7(3):161-7. Disponível em:http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/49590/53665
22.           ZEITOUNE, RCG, et al. O conhecimento de adolescentes sobre drogas lícitas e ilícitas: Uma contribuição para a enfermagem comunitária. Esc Anna Nery (impr.)2012 jan-mar; 16 (1):57- 63. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n1/v16n1a08.pdf





8- GLOSSÁRIO


[1] Suave- encontrar-se tranquilo, sem estresse.
[2] Parças- amigo, companheiro de todas as horas, parceiro.
[3] Brisa- sensação de viagem quando faz uso de drogas.
[4] Zé porvinho- pessoa curiosa, que adora fofoca.
[5] Quebrada- vizinhanças localizadas em periferias urbanas.
[6] Vermes- policial militar .
[7] Chavoso- chique, fashion ou na moda para um certo tipo de pessoa.

[8] Corre- resolver algum problema, buscar drogas.
[9] Nave- da hora.
[10] Fita- Alguma situação ou acontecimento.

[11] Monstra- da hora, legal.
[12] Back- cigarro de maconha, baseado.
[13] Chapada- bêbada